artesãos
Mãos que mantém viva a nossa identidade
As tradições são as raízes que moldam o nosso futuro. Nossa herança cultural nos enraiza, fortalece nossa identidade e nos permite compreender que fazemos parte de algo muito maior. Essas tradições ancestrais são mantidas vivas pelos artesãos e artesãs, através de saberes passados de geração em geração. Eles as traduzem em peças que são verdadeiras fontes de história, destas e de muitas outras terras, e que carregam consigo a exuberância e a importância da natureza que recobre este planeta.
A seguir compartilhamos com vocês os artesãos e artesãs com os quais já tivemos a honra de trabalhar e passaram a fazer parte da grande "família Yankatu". A ordem de apresentação abaixo segue a cronologia das nossas viagens pelo Brasil e pelo mundo.
precisamos conhecer, respeitar, admirar e valorizar a cultura de cada povo.









Amaria
bordadeiras, crocheteiras, costureiras e muito mais
Muzambinho, Minas Gerais – Brasil
Amaria é uma confecção que nasceu em 2003 do encontro da designer Mayumi Ito com tecelãs, costureiras, bordadeiras, crocheteiras e artesãs de Muzambinho, sudoeste de Minas Gerais. Resgatando técnicas antigas e aprendendo novas num processo de co-criação nascem as peças da Amaria, desenvolvidas pelas mãos habilidosas das artesãs.
As peças podem ser tecidas no tear manual com fios que recebem tingimento natural, ter bordados despojados, e técnicas como fita viés, broches e cathedral window, além de rendas como a frivolité e a turca, tudo sob o olhar cuidadoso de Mayumi Ito.
O resgate da tradição, a perpetuação de técnica adormecida, o despertar do potencial criativo fazem parte do trabalho diário de Mayumi, que busca orientar as artesãs a trabalharem de forma autoral e deixarem nas peças um pouco das suas histórias. O resultado é único e exclusivo com aumento de autoestima, confiança, superação e reconhecimento do trabalho manual como tesouro cultural.
“Em Muzambinho, no passado, havia produção de algodão, artesãos que cardavam, fiavam, tingiam, teciam e costuravam a mão suas roupas, mantas, cortinas e todos os itens da casa. Foi emocionante quando soube desta história, o que motivou minha mudança para esta cidade. Quando me mudei para lá não havia mais esta cadeia produtiva completa, somente algumas pequenas produções em tear, mas eu me perguntava: se houve uma história, por que não rever esta história?” – Mayumi Ito.

Arte e Vida - Associação de Mulheres Artesãs de Guapiara
palha de milho crioulo
Guapiara , São Paulo – Brasil
Guapiara, município do estado de São Paulo, é lugar de cavernas e cachoeiras, numa das áreas mais conservadas da Mata Atlântica brasileira. “Guapiara” vem da língua tupi através da junção dos termos kûá (“enseada”) e piara (“caminho para”), significando “caminho para a enseada”.
A Associação Arte e Vida Guapiara é uma associação composta por mulheres de diferentes saberes e histórias unidas pelo amor à sua cidade, ao fazer artesanal e ao milho crioulo, um tesouro genético, uma vez que se mantém puro, sem alterações trangênicas, passando
por mãos guardiãs, de geração em geração. A cultura do milho crioulo é uma tradição que remonta a séculos e que chegou até a região de Guapiara através do Caminho de Peabiru. Uma tradição que conectou povos ancestrais e oceanos.
Imbuidas pela busca de uma identidade que fortalecesse as artesãs e o trabalho coletivo em prol da associação, em 2024 mergulhamos nos quatro mil quilômetros desse caminho, traduzindo na palha os artefatos dos povos que o trilharam séculos atrás. Seguindo o proposto pelo LAB de Inovação Artesanal da Artesol, conectamos tradição e inovação, passado e presente para apresentarmos a coleção Terra Sem Males, uma coleção que interpreta de diferentes maneiras a passagem do tempo.

Associação Rendeiras da Aldeia
renda de bilro
Vila de Ponta Negra, Natal, Rio Grande do Norte – Brasil
Maria de Lourdes de Lima, a Vó Maria, aprendeu a rendar aos 7 anos em Pirangi e ainda criança mudou-se para a Vila de Ponta Negra, na época um vilarejo ligado à pesca, agricultura e à renda de bilros, próximo à cidade de Natal. Os anos passaram e as tradições foram cedendo lugar para o avanço da cidade e o turismo.
O amor de Vó Maria pela renda fez com que ela no início dos anos 90, com o apoio de seu filho Joka Lima, reunisse um grupo de amigas rendeiras Mestra Helena, Francisca, Josefa, Dona Graça e Lenide em sua casa para praticar, trocar ideias e servir como base para troca de saberes. Era o início do que viria a se tornar a Associação que hoje ocupa parte da Tapiocaria da Vó Maria, transformou-se em Memorial do Bilro e tornou-se ponto de referência para os admiradores da renda de bilro.
Vila de Ponta Negra é uma Vila que pulsa tradição, da renda, da pesca, das jangadas levadas pelo vento e pela força das mãos. Uma Vila que tece histórias através de bilros que cantam traças e tranças, coentros, paninhos e afins. Cantam aulas que ensinam saberes, que extrapolam a renda e transbordam força, resiliência e amor. Bilros que também choram a delicadeza da renda que passa despercebida de valor. Choram por atitudes alheias que desmerecem vidas, invadem praias e proibem sonhos. Uma Vila de Renda Viva que em cada abraço do bilro busca desesperadamente abraçar a vida.
Foi para lá que o LAB de Inovação Artesanal da Artesol me levou em 2023 e, foi mergulhada nas histórias dos pescadores e das rendeiras, entre abraços, sorrisos e o som dos bilros batendo, que estreitamos laços e, lado a lado, criamos a Coleção Ginga.

Arassari Pataxó
sementes, madeiras, casca de árvore
Aldeia Barra Velha, Bahia – Brasil
Em dezembro de 2020 adentrei as terras Pataxós a convite de Arassari Pataxó. A partir desse mergulho em séculos de histórias que se confundem com a história do Brasil, nasceu uma amizade que se fortifica a cada dia.
Arassari se define como “um guerreiro que luta pelo respeito dos direitos dos povos indígenas no Brasil”. Liderança indígena, representante da etnia pataxó do sul da Bahia – local onde nasceu – Arassari quer abrir os olhos do mundo para a importância de se manter o índio na floresta, na sua terra, mostrando como eles a respeitam e vivem com ela. Para isso ele não mede esforços, se tornou professor, fez curso de oratória e recentemente se formou em direito. Segundo ele “sua vida não lhe pertence, ele vai aonde seu povo estiver precisando dele”.

Bahareh Zaman
mosaico de espelhos e marchetaria
Teerã, Irã
Bahareh Zaman é uma artista iraniana contemporânea especializada em mosaico de espelhos e marchetaria, explorando a interação entre reflexo, luz e geometria. Seu trabalho combina o artesanato tradicional com o design moderno, criando peças que fazem a ponte entre o passado e o presente.
Utilizando espelhos, madeira e cores sutis, ela constrói composições em camadas que refletem temas de transformação, renascimento e o fluxo da vida. Cada peça tem sua própria história singular. Sua prática enfatiza tanto a técnica meticulosa quanto a profundidade conceitual, resultando em obras que convidam o espectador a se envolver com o tempo, o espaço e a percepção.
Juntas estamos desenvolvendo um projeto que visa atenuar as fronteiras e os muros que separam culturas, abrindo janelas para futuros possíveis.

Claudia Monteiro Pinheiro
crochê
Muzambinho, Minas Gerais – Brasil
Sua casa é perfumada pelo aroma de chás e pães recém saídos do forno, a beleza de seu jardim adentra pelas janelas enquanto fios de cores diversas encontram-se em detalhes aonde quer que nosso olhar pouse. Sua serenidade acalma nossa alma. Claudia Monteiro Pinheiro seguiu seu sonho, alugou um casarão no centro de Muzambinho e sentada entre fios e agulhas aproveita a simplicidade da vida em cada mínimo detalhe. Quando comentei que teria uma página dedicada aos artesãos no site ela carinhosamente me mandou este doce poema:
“O tricotar e crochetar da vida . . .
Com os fios de algodão ou de lã natural ao visualizar o desenho de renda imagino a peça e vou tricotando ou desenvolvendo o crochê. Imagens surgem e novas composições dançam em minha imaginação, por isso cada peça é única. Única em sua criação.
Sempre dou preferência aos fios mais naturais, os de lã, aquecem envolvem, os de algodão trazem frescor e cor com sua gama de cores intensas.
Amo o crochê e o tricô. Me ver feliz é ter agulhas dançantes a descrever minha arte através das mãos. Mãos que criam com o coração desenhos que se formam na contagem precisa e matemática dos pontos.
Agradeço àquele que se identifica com o trabalho, é feito com muito carinho.”
Claudia Monteiro Pinheiro

Comunidade de Urucureá
palha de tucumã e tingimento natural
Urucureá, Pará – Brasil
Urucureá é uma comunidade ribeirinha situada às margens do Rio Arapiuns, afluente do Rio Tapajós. Fica a cerca de duas horas e meia de barco partindo de Santarém ou Alter do Chão, no estado do Pará, região Norte do Brasil.
Urucureá é também sonho e realidade, o Brasil é puro e duro. É essência. Adentrar suas terras é como entrar em uma outra dimensão. Lá artesãos, em sua grande maioria mulheres, tecem a palha de tucumã, uma palmeira típica da floresta amazônica. Através de folhas, raízes e frutas como caapiranga, mangarataia, crajiru, jenipapo e urucum, as fibras ganham cor e transbordam a natureza ao seu redor em cestas, mandalas e muito mais, deixando clara a ancestralidade indígena que se estende por gerações.
Lá conheci, aprendi, ouvi e senti pessoas e histórias, assisti e participei de colheitas de palha, processos de tingimento natural e da tessitura da palha, sentada à sombra da mangueira ou andando pelas ruas de terra batida por entre casas de pau a pique e sapé.
Lá testemunhei sorrisos e sonhos, toquei com minhas próprias mãos as matérias-primas e as mãos das pessoas que as transformam em arte. Cultivei relacionamentos e fiz amigos para toda a vida. Lá conversas misturam-se ao som de pássaros, guaribas e ao farfalhar da palha. Lá as crianças entram em contato com o trançado da palha desde cedo, acompanham a colheita de folhas e raízes para o tingimento natural e brincam enquanto assistem com olhares curiosos suas mães trançarem sonhos.

Deuzani Gomes dos Santos
cerâmica
Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais – Brasil
Deuzani Gomes dos Santos é uma dessas mulheres especiais, artesã do Vale do Jequitinhonha com uma visão de mundo mais clara do que muitas das pessoas que vivem nas grandes metrópoles.
Ela começou a fazer cerâmica aos 15 anos de idade para ajudar a mãe, dona Isabel. Ela já era ceramista, em sua época era chamada de ‘paneleira’. Além de criar peças em cerâmica utilizando técnicas tradicionais que tiveram origem com as mulheres indígenas, ela vai para roça, cuida da casa, da família, recebe hóspedes através do turismo solidário e ainda escreve poesias que têm uma força e profundidade que tocam a alma
.
Dona do abraço apertado mais gostoso que conheci, Deuzani me acolheu em sua casa e em seu coração. Sou fã nº1 de suas poesias que contam histórias sobre o Vale e a vida das mulheres da região. Segundo ela “ser mulher no Vale é ser pedra preciosa entre cascalho bruto.”
Quando eu conheci Deuzani Gomes dos Santos, no Vale do Jequitinhonha em 2016, ela achava que não poderia ser poeta, apesar de ter inúmeros cadernos recheados de poesias que li me emocionando com cada palavra. Fotografei todas e anos mais tarde, com a ajuda do fotógrafo Marcelo Oséas, fizemos a 1a publicação do livro Deuzani. a poeta do Vale.

Expedito Jonas de Jesus
escultor de pedra sabão
Tiradentes , Minas Gerais – Brasil
Impossível não ser contagiado pelo sorriso e espontaneidade do mestre artesão escultor Expedito Jonas de Jesus. Seu sorriso ilumina, a forma sincera como fala tudo que pensa e sente, encanta. Têm alma de artista e coração gigante! Com sorriso estampado no rosto e gratidão no coração ele escolhe, transporta, carrega e fatia a pedra sabão, para depois, com uma facilidade absurda, dar vida à ela retirando seus excessos e nos presenteando com flores, querubins e pássaros, mulheres voluptuosas, leões e elefantes, como se tivessem estado ali todo o tempo.
Ele fala sobre seu dom com uma naturalidade e humildade sem tamanho. Conta que a beleza de seu trabalho o levou para morar um ano em Portugal quando jovem, convidado por um casal de portugueses que visitavam Tiradentes, MG, a ir ensinar aos artesãos de lá o entalhe na madeira. Por incrível que possa parecer, esta técnica que veio de lá durante a colonização do Brasil estava se perdendo, e foi preciso que ela fosse resgatada pelos artesãos brasileiros.
“Sou escultor, e gosto de fazer o que eu faço, me sinto realizado. Quando vejo uma pedra, eu já sei o que ela quer ser, o desenho vai se construindo na minha mente, e quando está pronto, eu começo a tirar os fragmentos da pedra, e ela vai se revelando. Apesar de ser um trabalho duro, o de esculpir a pedra, ele me alivia, porque vou tirando aquela ideia da minha cabeça e isso tem um efeito calmante para mim. Cada pedra tem uma história e eu quero que elas através das peças também contem suas histórias nas casas das pessoas, e que passem muito tempo naquela família.” Expedito Jonas de Jesus.

Fio e Arte
tecelagem artesanal
Campina Grande, Paraíba – Brasil
A Tecelagem Fio e Arte é uma tecelagem artesanal dedicada à fabricação e ao comércio de produtos têxteis. Fundada em 2013, na cidade de Campina Grande no Estado da Paraíba pelo Sr. José Gleyson Lima Araújo.
A Tecelagem Fio e Arte tem como atividade principal, a fabricação de redes de descanso de alta qualidade, 100 % algodão, mas além das redes de dormir ela produz tapetes, mantas, jogos americanos e toalhas de mesa, e também confecciona tecidos sob encomenda, fazendo questão de garantir a satisfação dos clientes em cada detalhe.
José Gleyson me recebeu com carinho, me mostrou o funcionamento dos teares, o intrincado desenho matemático que dá origem aos desenhos, os diversos tipos de fios e a forma de fazê-los, como se faz o punho de uma rede e muito mais.

Kayanaku Mehinaku
buriti, miçangas e fios de algodão
Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu, Mato Grosso – Brasil
Kayanaku Mehinako é da etnia Mehinako. Ela nasceu e cresceu na aldeia Kaupüna, no Alto Xingu, estado de Mato Grosso. Passou parte da adolescência em Brasília, acompanhando os pais., uma experiência lhe proporcionou compreender melhor nosso modo de vida, diferente da cultura de seu povo. Voltou para a aldeia onde por três anos trabalhou como professora, ensinando as crianças. Hoje ela vive em São Paulo, onde estuda odontologia.
Mesmo morando na cidade Kayanaku segue praticando os ensinamentos sobre as artes dos povos inígenas do Alto Xingu que aprendeu quando criança, com as mulheres da aldeia.
Seus trabalhos já participaram de diversas exposições, incluindo a SP-arte, em abril de 2022, no Pavilhão da Bienal de São Paulo, e a Tel Aviv Biennale of Crafts and Deisng 2023, onde apresentamos nosso trabalho feito a quatro mãos, Caminho.
Kayanaku é uma das representantes das mulheres da aldeia Kaupüna e
almeja em breve retornar à sua aldeia e abrir seu próprio consultório odontológico na cidade próxima, Gaúcha do Norte, para servir seu povo.

Kawakanamu Mehinaku
madeira, buriti, fios de algodão e concha de caramujo
Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu, Mato Grosso – Brasil
Kauakanamu nasceu na aldeia Xalapapühü em 10 de abril de 1962. Confeccionou sua primeira peça aos 15 anos de idade, um cesto feito com talos de buriti. Artista talentoso além da cestaria, trabalha com arte plumária, colares de concha de caramujo e esculturas de bancos em formato de animais que habitam o Território Indígena do Xingu.
Atualmente mora na aldeia Kaupüna que, pela proximidade com a cidade de Gaúcha do Norte, facilita as viagems para comercializar suas obras e adquirir ferramentas para seu trabalho.
Sua arte é parte do que herdou de seus antepassados e representam a identidade do povo Mehinaku. Tem orgulho de ser artista e de ter seu aprendizado enraizado na tradição, na dedicação e na prática.

Kulikyrda Mehinaku
madeira, urucum, carvão e resina de ingá
Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu, Mato Grosso – Brasil
Meu encontro com o povo Mehinaku aconteceu em dezembro de 2019, a convite do Kulykirda ‘Stive’ Mehinaku, após eu tê-lo ajudado a vender e armazenar suas obras de arte em São Paulo. Ele retornou para a aldeia Kaupüna, onde vive, me contando cada passo da sua viagem e desde então nunca mais paramos de nos falar.
Stive, como costumo chama-lo é da etnia Mehinaku e Aweti. Ele é técnico em agroecologia e agente indígena de saúde. Um coração do tamanho do mundo, está sempre rodeado pelas crianças na aldeia, ensinando-os em gestos e palavras as tradições de seu povo. Seu nome, Kulikyrda, significa rosto de curica, uma espécie de papagaio da região amazônica.
É um artista incrível, seus bancos zoomorfos já participaram de diversas exposições no Brasil e no exterior. Ele começou a fazer bancos na adolescência, aos 13 anos, motivado pelo costume de seu povo de produzi-los para uso próprio. A possibilidade de comercialização o fez aprimorar a técnica e hoje a venda dos bancos são sua principal fonte de renda.
O povo Mehinaku encontra-se no Alto Xingu, onde vive de acordo com seus costumes e cultura, agrupando-se em aldeias circulares, vivendo em ocas cobertas por tramas de buriti que costumam abrigar famílias inteiras.
Juntos já realizamos diferentes obras e projetos e seguimos abrindo espaços para mostrar para o mundo a potência do seu povo e da sua cultura.

Kuyawalu Aweti
buriti, miçangas e fios de algodão
Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu, Mato Grosso – Brasil
Kuyawalu “Priscila” Aweti é casada com o Stive (Kulikyrda Mehinaku), com quem tem quatro filhos, Kaminapiralu “Letícia” Mehinaku, Talquai “Lucas” Mehinaku, Keyeyeriri “Giovanni” Mehinaku e Kaikairu “Giovana Laís” Mehinaku. A Pri fala muito pouco português, mas seus filhos frequentam a escola da aldeia e estão aprendendo, junto com o Aruak, que é o idioma do povo Mehinaku.
Eles vivem na aldeia Kaupüna, do povo Mehinaku, onde Kuyawalu cuida da família que incluem seus pais, pois conforme a tradição, por ser a filha mais nova é responsabilidade dela cuidar deles durante toda a vida. Nas horas livres ela realiza os trabalhos artesanais tradicionais dos povos do Território Indígena do Xingu, tais como cestos e esteiras feitos com talos de buriti e fios de algodão, colares de caramujos, conchas de rio, cascas de inajá e tucum, e também as belíssimas redes feitas com fios de buriti fiados por ela mesma e por vezes tingidos com açafrão.

Lilia Fonseca
papel crepom
Tiradentes, Minas Gerais – Brasil
Pensa numa pessoa doce, muito, muito doce, esta é a D. Lilia Fonseca. Até para falar ela é meiga, dá vontade de abraçar e não soltar mais.⠀
Dona Lilia é a responsável por resgatar uma antiga tradição da cidade de Tiradentes que estava quase desaparecendo, o ato de se colocar uma cruz nas portas das casas para serem abençoadas na passagem do dia 3 de maio, quando a Igreja Católica relembra e celebra o dia em que Santa Helena encontrou a Santa Cruz de Cristo.
Delicadamente D. Lilia reveste com tiras de papel crepom repicado uma pequena cruz de madeira feita pelo seu marido. Uma peça singela e delicada que chama a atenção de quem passa pela cidade. Seu gesto traz consigo um misto de fé e esperança e o desejo de que Nossa Senhora abençoe à todos nós. Ela conta que aprendeu a fazer as cruzes ainda menina, com suas avós. Mas só depois de muito tempo resolveu retomar a tradição – quando percebeu que na cidade quase mais ninguém tinha o hábito de enfeitar a casa com as cruzes. Além das cruzes, ela costumava fazer esculturas, como ela mesmo diz: ” Não sei ficar à toa, adoro inventar uma moda”.
D. Lilia não têm medo de trilhar novos caminhos. Ela desbrava mesmo! Entre abraços, sorrisos, biscoitinhos e cafés criamos terços, luminárias, saias e até cortinas, com o mesmo cuidado e dedicação com que ela faz as cruzes de Tiradentes.

Maria Conceição de Paula
bordado
Tiradentes, Minas Gerais – Brasil
A mesa posta com pães de queijo, broas e pudins, o aroma de café passado na hora, o som das conversas alegres, as mãos hábeis que bordavam desenhos coloridos sobre os tecidos brancos, foi assim que conheci D. Maria Conceição de Paula, a D. Maria.
Seu sorriso tímido esconde uma alma forte e determinada, que não se intimida frente ao desconhecido, que arrisca, experimenta, sabe que é errando que a gente aprende e nunca desiste antes de tentar. Seus bordados delicados saíram dos tecidos e foram parar em pedra sabão, vidro e telas de metal, enfeitaram objetos, móveis e luminárias, viraram arte.
Por mais maluca que seja a ideia D. Maria não estranha, ao contrário, ela sorri e fala com seu jeito manso que “a gente tem que experimentar, né?!”
Ela conta que aprendeu a bordar quando criança, aos 9 anos. O interesse pelo bordado veio quando observava que um conjunto de linhas de várias cores criava algo mais, que transmitia um sentimento em cada desenho que enfeitava um pano: “Fio a fio, fui descobrindo como o bordado não é só bordado, mas um emaranhado de linhas que envolve poesia, sentimentos, dúvidas, alegrias, tristezas… vida.”
Extremamente organizada D. Maria coordena com sua fala doce um grupo de mulheres bordadeiras, as Artistas do Bairro. Cuida também da igreja do bairro onde mora e mantém em sua casa um oratório todo decorado sempre pronto para acolher suas orações. E assim ela nos ensina a enfrentar a vida com coragem, determinação e fé.

Maria Santa
tingimento natural
Muzambinho, Minas Gerais – Brasil
Foi num curso organizado por Mayumi Ito que Maria encontrou uma verdadeira paixão: o tingimento natural. Com os frutos da sua horta e seu fogão a lenha começou aos poucos, tingindo meadas de fios de algodão e fazendo novelos manualmente, encantando-se cada vez mais pela criação de misturas e efeitos que surgiam.
Com o passar dos anos Maria conseguiu economizar um dinheiro que, complementado com a ajuda do SEBRAE, lhe possibilitou comprar as máquinas que hoje ocupam toda a varanda, na parte de trás da sua casa na roça.
E não para por aí, Maria com sua força e determinação segue experimentando em busca de novas cores. Grãos de café, romã, urucum, pinhão e cascas de cebola vão aos poucos se unindo a outros frutos diferentes em busca de novas possibilidades.

Natural Fashion
algodão colorido orgânico
Campina Grande, Paraíba – Brasil
O uso do algodão colorido no mundo têxtil é o resultado de muitos anos de pesquisa do CNPA e da EMBRAPA, em Campina Grande, Paraíba. Sem sofrer qualquer alteração genética ele já nasce colorido, mas o trabalho de pesquisa conseguiu tornar seu fio mais longo e resistente. Seu cultivo dispensa o uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos, tinturas e corantes.
A cooperativa paraibana Coopnatural tem mostrado aos consumidores um novo estilo de se vestir: o ecologicamente correto. Com a marca Natural Fashion, desde 2003, desenvolve e comercializa produtos têxteis de algodão colorido orgânico, com o objetivo de não prejudicar o meio ambiente e ainda oferecer roupas confortáveis e acessíveis ao bolso dos brasileiros. São peças fabricadas em pequenas indústrias do setor têxtil e vestuário, em sua maioria com detalhes em artesanato, feitos por cooperativas e associações, oferecendo novos empregos e aperfeiçoamento técnico. “Um trabalho árduo para incitar o consumo de um produto feito com material que não existia no mercado, um negócio gratificante e com visão de futuro”, ressalta a presidente da cooperativa, Maysa Motta Gadelha, que foi quem me recebeu em Campina Grande e me apresentou os pesquisadores e artesãos da região.

Rondinelly Santos
entalhe em madeira
Tiradentes, Minas Gerais – Brasil
Rondinelly Santos trabalha com arte sacra desde os 14 anos de idade. Aprendeu a profissão com seu pai, quando ele trabalhava em uma empresa e o colocou para ajudar, lixando suas talhas e, quando sobrava tempo, ele aproveitava para praticar fazendo alguns desenhos.
Dono de um talento incrível que parece transformar a madeira rígida em algo macio. Utilizando goivas e formões cria volutas, gavinhas de folhas de acanto e grinaldas de flores com uma facilidade de nos fazer perder o fôlego. Observá-lo trabalhar é como embarcar numa jornada no tempo, de volta a segunda metade do século XVIII quando o período Rococó, que chegava da Europa, trazia consigo mais luz e leveza e remetia à ideia da alegria de viver, características que transparecem na suavidade e delicadeza com que as mãos de Rondinelly entalham a madeira.
Com ele aprendi que não há uma quantidade exata de horas para se esculpir uma peça, pois isso depende… se um pássaro resolver pousar ali na janela para cantar não há prazo e sim a sabedoria de parar tudo para escutar a vida cantar! Para ele “entalhar é como comer doce, a gente começa e não consegue parar”! Dá pra resistir? Para mim ele sempre será o Nelinho, uma das pessoas mais apaixonadas pela profissão que conheço.
Nos conhecemos por meio da Semana Criativa de Tiradentes, em 2017, de lá pra cá criamos peças juntos e também em conjunto com outros designers. Em 2017 criei com ele a bandeja Rococó, em 2018 foi a vez das colheres, criação nossa junto com o designer Sérgio Cabral, e em 2019 nós dois juntos criamos o centro de mesa Rococó que traz consigo peças da Imperial Estanhos.

Rosana Maria Alves
alta costura em fuxicos
Muzambinho, Minas Gerais – Brasil
Zana Maria pensa na frente, no verso e no avesso. Ela é artesã e artista. Mais que isso, ela pesquisa, estuda e também ensina, experimenta novas possibilidades, sonha e nos faz sonhar. É uma pessoa única, em seu estilo, em sua forma de viver e encarar a vida, no acolhimento com que nos recebe em sua casa, na delicadeza do seu trabalho e nas infinitas possibilidades que cria a cada instante. Visita-la é ser transportado para um mundo mágico,
onde sonho e realidade coabitam e onde o prazer de viver é uma constante.
A paixão pelo fuxico vem da infância, do carinho da sua mãe ao ensinar para ela e irmã a antiga tradição do fuxico presente na família há mais de 150 anos. Esse amor pode ser sentido nas peças sempre únicas que nascem carregadas de emoção.
Suas peças são criadas fuxico a fuxico, ou como ela costuma dizer, partícula a partícula, como tijolos na construção de uma casa, só que ao invés de cimento ela usa o fio para uni-los e assegurar-se de que ficarão exatamente onde precisam estar. O caminho que o fio faz é pensado de forma a embelezar mesmo aquilo que não se vê. Se seus fuxicos fossem transparentes outra obra seria delineada através dos caminhos que seus fios percorrem.
Zana Maria é artista, ela faz pinturas com fuxicos de diferentes cores e formatos, ela constrói e desconstrói, cria e recria. O fuxico através dela ganha outro propósito. Ela não tem medo de errar pois acredita que os erros são acertos, que possibilitam visões diferentes, que são correções dos nossos caminhos. Ela vive! E faz viver quem está conectada com ela. Pura energia, pura alegria, puro prazer! Zana Maria é assim, intensa em tudo o que faz.

Santa Edwiges
tecelagem artesanal
Muzambinho, Minas Gerais – Brasil
Entre as montanhas cafeeiras de Minas Gerais, em uma cidadezinha do interior chamada Muzambinho, em 1985 o Frei Francisco trouxe consigo a arte de tecer. A partir do momento em que aprendeu esta profissão, Maria Auxiliadora se descobriu!
Após anos de prática, ela conseguiu abrir sua pequena empresa, a qual deu o nome de Tecelagem Santa Edwiges, por ter grande devoção a Santa. Hoje Maria Auxiliadora e sua família tecem manualmente composições incríveis, utilizando desde fios de algodão finíssimos até o refugo das confecções da cidade vizinha, elaborando produtos artesanais que encantam pela qualidade e delicadeza.

Sergio Hernandes
papel picado
Metepec – México
Contador por profissão, sua curiosidade e o amor pelo papel picado venceram a resistência do seu pai, Don Julio Hernández, que não queria que o filho entrasse na técnica antes de ter uma carreira.
Aos 8 anos de idade começou a aprender o tradicional ofício e, com uma trajetória de mais de 30 anos, diz com orgulho que o amor pelo papel picado o levou a conhecer outros países, outras culturas e muitas pessoas em todas as esferas da vida.
Sérgio fez especialização em corte de papel com cortador na China e corte de papel com tesoura na Suíça, países que muito valorizam esta arte. Atento à tradição, com martelo, cinzéis e sobre uma grossa tábua de madeira, o artesão metepequense prefere se dedicar ao papel picado feito à
mão na técnica mexicana.
Nos conhecemos em 2022 quando tive a honra de participar da Design Week Mexico e com ele criar Camino Del Alma, uma instalação de arte e luz que justapõe a tradição artesanal e o olhar contemporâneo como meio de transmitir unidade e conexão. Seu design explora a interação entre uma luminária cotidiana e os atributos etéreos da luz.

Tecelagem Roça Grande
tecelagem e fiação artesanal, algodão orgânico colorido
Berilo, Minas Gerais – Brasil
Localizada em Roça Grande, comunidade quilombola pertencente ao município de Berilo, em Minas Gerais, a associação foi fundada em 1983, por meio da união de cerca de 80 moradores que atuavam com o plantio do algodão. tear mineiro com dois quadros de liço. À época, os homens trabalhavam no cultivo e as mulheres passaram a cardar, fiar, tingir, urdir e a tecer o algodão usando o tear mineiro de dois quadros de liço.
Uma particularidade da tecelagem Roça Grande é a confecção por sobreposição de fios para a formação de desenhos em alto relevo inspirados no cotidiano das artesãs. A ideia de inserir desenhos na tecelagem veio em um sonho de dona Antônia, artesã de Roça Grande, quando ficou viúva e hoje a técnica é o grande diferencial da associação.
Foi um convite feito pelas artesãs através do Instagram que me levou até a tecelagem. Foi amor à primeira vista! Não apenas pelo trabalho maravilhoso que tece histórias em cada fio, mas na força da Ivone, da Eli, e de todas as artesãs que mantém viva a essência de uma tradição que é parte da cultura viva que habita o Vale do Jequitinhonha.

Txahamehé Pataxó
penas e sementes
Aldeia Barra Velha, Bahia – Brasil
Txahamehé Pataxó nasceu, cresceu e mora ainda hoje com muito orgulho na Aldeia mãe Barra Velha, do Povo Pataxó, no sul da Bahia. Seu nome de registro é Lourrane Araújo de Souza, e eu carinhosamente a chamo de Lou.
Dona de um sorriso meigo, sua timidez esconde uma jovem séria, forte e determinada. Desde os nove anos é artesã, criando peças que unem penas, sementes e pedaços de madeira em composições delicadas e cheias de significado. Aprendeu o ofício com o pai, Aricuri Pataxó, se apaixonou e não parou mais. Hoje ela cuida da barraca da família no vilarejo de Caraíva, onde vende tiaras e adornos para o cabelo feitos com penas, brincos, pulseiras, colares e os animais da fauna local esculpidos em madeira pelo seu pai.
Txahamehé no idioma indígena Patxohâ significa flor do amor, nada mais apropriado para ela, que cria flores belíssimas com penas de galinhas que recolhe pelas terras da aldeia.

Wagner Trindade
latão, madeira e o que mais a imaginação sonhar
Tiradentes, Minas Gerais – Brasil
Wagner Trindade – o Waguinho, aprendeu a arte de fazer luminárias marroquinas com o seu pai, o Muchacha, que por sua vez aprendeu com um português que abriu sua oficina em Tiradentes há muitos anos atrás.
Ele é uma das pessoas mais intensas que já conheci. Intenso no bom sentido, sua ansiedade vem da vontade de aprender e apreender tudo que for possível. Incansável em sua busca para se aprimorar sempre, dedicado em tudo o que faz, batalhador de verdade, extremamente humano.
Sua alegria, dedicação e empenho contagia todos ao seu redor. Aos funcionários da sua oficina, ele ensina muito mais que um ofício, ele demonstra em suas atitudes a importância de amar o que faz e de cuidar de verdade da família e dos amigos. Emociona vê-lo contar não apenas a história de seu pai, que lhe ensinou o ofício, mas também dos rapazes que ele trouxe ainda garotos para aprenderem uma profissão e encontrarem um sentido na vida, já que muitas vezes morar no interior não proporciona muitas opções para quem é jovem.
Adentrar o mundo de Wagner Trindade é o mesmo que adentrar sua alma. Sua história está escrita ali. Cada parede, cada molde, cada ferramenta, cada peça acabada ou por acabar trás em si sua força e sua emoção.

Waxamani Mehinaku
grafismos, pintura sobre tela
Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu, Mato Grosso – Brasil
Waxamani faz parte da etnia indígena Mehinako, e vive na aldeia Kaüpuna, no Alto Xingu (MT). Ele sempre teve habilidade para desenhar e um amor incondicional às tradições de seu povo. Essas duas características foram guias que o levaram a ir além dos grafismos aplicados nos corpos e adornos, transpondo-os para telas com objetivo de valorizar e resgatar grafismos quase extintos.
No início, para estampar os tecidos feitos em algodão artesanal ele não usa “régua da cidade nem pincel”, segundo ele “sua mão era seu próprio pincel” e seus traços seguiam firmes guiados por palitos de madeira. Ele produzia também suas próprias cores utilizando pigmentos naturais de Urucum (vermelho) e Jenipapo (preto) e resina de ingá.
Hoje mantém a habilidade dos traços firmes, mas seus dedos cederam espaço para pincéis e sua arte desprendeu-se das telas de algodão e ganhou paredes e painéis levando consigo o conhecimento ancestral dos povos do Xingu.

Yahati Mehinaku
madeira, buriti, fios de algodão e penas
Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu, Mato Grosso – Brasil
Yahati Mehinaku é o cacique da aldeia Kaupüna, conhecedor e mantenedor de todas as tradições de seu povo. Ele já foi pajé, mas hoje não exerce mais o trabalho de cura. É cantor Tawarawaná, tocador de taquara em festa de mandioca e festa de pequi, sabe as musicas de cada um dos rituais de seu povo. Como artesão faz remos, brincos, máscaras sagradas, cestaria tradicional masculina, cocares e bancos zoomorfos.
Ele morou na aldeia Xalapapühü, a primeira aldeia do povo mehinaku no Território Indígena do Xingu. É casado com Kayanaku Aweti e com isso morou muitos anos com o povo Aweti, na aldeia Aweti. Com o passar do tempo mudaram-se para a aldeia Uyaipiyuky e depois a aldeia Utawana, ambas do povo Mehinaku. Por volta de 2015, fundaram a aldeia Kaupüna, onde moram até hoje.
Já visitou a Bélgica, acompanhando uma exposição de máscaras e trabalhou lado a lado com Orlando Villas Bôas pelos direitos do seu povo e de todos os povos que hoje habitam o Território Indígena do Xingu. Aconselhado por Orlando, que tinha medo que a cultura Mehinaku desaparecesse, Yahati não saiu para estudar fora. Aos poucos seus filhos sairam para estudar, pois compreenderam que para manter viva sua cultura precisariam saber navegar pelo universo dos não indígenas.


















